IApiranga

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Coordenação: Giselle Beiguelman, Bruno Moreschi e Bernardo Fontes.

Fechado para obras desde agosto de 2013, o Museu Paulista da Universidade de São Paulo será reaberto em 2022. Foi inaugurado em 7 de setembro de 1895 como Museu de História Natural e assume o perfil de Museu Histórico no contexto das comemorações do primeiro centenário da Independência, sob a direção de Afonso d’Escragnolle Taunay (1917-1945). Hoje a instituição possui um acervo de mais de 450 mil itens, do século XVII até a atualidade, e passa por um processo de renovação arquitetônica e atualização dos seus pressupostos curatoriais, o que inclui a disponibilização paulatina de seu acervo na Wikipedia e no Wikidata sob licença livre. Esse extenso acervo, fundamental para entender a construção do imaginário paulista e sua historiografia sobre o Brasil, foi a base para o desenvolvimento dos experimentos com uso de Inteligência Artificial realizados no projeto demonumenta.

O mote desses experimentos foi ativar um discurso crítico sobre a História da Arte, questionando a um só tempo os procedimentos do colonialismo histórico e do datacolonialismo (colonialismo dos dados). Como a Inteligência Artificial reproduz os modos de perpetuação de discursos oficiais sobre a história? Como elaborar metodologias, calçadas em IA para mapear os elementos constitutivos das representações imagéticas do colonialismo histórico?

Partindo dessas questões, foram desenvolvidos cinco experimentos analíticos, baseados na sistematização de um banco de dados com as imagens (pictóricas e iconográficas) que passaram a integrar o acervo do Museu Paulista da USP durante a gestão de Afonso Taunay e nos retratos de pessoas negras feitos por Militão Augusto de Azevedo quando proprietário do estúdio Photographia Americana (1875-1885).

No banco de dados, registramos os padrões encontrados em sua coleção. Com esse universo de representações, produzimos as obras artísticas Naturezas numéricasArqueologia das coresÁlbum afirmativo da cidade de São Paulo e Ignorância Artificial.

Essas experiências visuais com Inteligência Artificial foram acompanhadas por experimentações sonoras desenvolvidas pelo artista e pesquisador do GAIA, Gabriel Francisco Lemos. Lemos criou um dataset composto por marchinhas, canções comemorativas e nacionalistas que fazem parte do repertório de bandas marciais brasileiras. A esse material também foram adicionados os hinos Paulista, Nacional e do Sesquicentenário da Independência. A partir deste dataset, ele treinou dois tipos de redes neurais – a SampleRNN e a MelGAN-VAE – que produziram as nossas trilhas sonoras. Elas refletem a oficialidade brasileira e paulista e reproduzem uma certa sonoridade dos metais, marcante em marchas e hinos.

Importante frisar que o corpo a corpo com a História da Arte e as tecnologias contemporâneas empreendido nesses processos só foi possível por conta de uma política em andamento do Museu Paulista de disponibilização de modo crescente das imagens e metadados de suas obras na Wikipedia e no Wikidata, permitindo assim que sua coleção seja passível de novas ressignificações e deslocamentos.

Da desconstrução do acervo do Museu Paulista à Construção do dataset

A Inteligência Artificial (IA) demanda banco de dados organizados para os processos de aprendizado de máquina. Para isso, empresas utilizam legiões de trabalhadores remotos que, em plataformas online como a Amazon Mechanical Turk, são encarregados da organização dos dados. Esse trabalho é feito de forma precarizada e descontextualizada.

Na contramão desse processo, partimos de um recorte da coleção do Museu Paulista, focando as obras e a documentação iconográfica adquiridas e produzidas no período em que Afonso Taunay foi diretor do Museu.

A partir desse conjunto, desenvolvemos uma metodologia para a catalogação de suas imagens. Ao longo de dois meses, alunos da FAUUSP trabalharam com docentes da faculdade e pesquisadores do GAIA / C4AI, para mapear as áreas das obras de arte da coleção que permitem compreender alguns elementos do imaginário do colonialismo e suas projeções estéticas.

Esse mapeamento constituiu o dataset (conjunto de dados organizados) utilizado para o desenvolvimento de três experimentos baseados em aprendizagem de máquina:

  1. Naturezas numéricas: trabalho feito com os céus e as paisagens da coleção do Museu Paulista
  2. Arqueologia das cores: uma proposta para outro modo de ver obras do Museu a partir de suas paletas mais marcantes
  3. Paisagens possíveis: resultados do cruzamento das categorias do nosso dataset sobre o Museu Paulista com outra base de dados relacionada a História da Arte, o Wikiart

Categorias definidas a partir das obras do Museu Paulista:

Céu, fauna, flora, homem branco, homem indigena, homem negro, mulher branca, mulher indigena, mulher negra, criança indígena, criança negra, criança branca, escravizado, ex- escravizado, bandeirante, cafeicultor, fazendeiro, figura religiosa, militar, político, trabalhador rural, trabalhador urbano, artefatos domésticos, artefatos exteriores, espaço administrativo político, espaço cultural, igreja, espaço industrial, ruas e praças, residência abastada, residência pobre.

Obras analisadas:

https://w.wiki/3Ft7

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